quarta-feira, 29 de dezembro de 2010


"COMO NASCEU A ALEGRIA"(Rúben Alves)
Você pode não acreditar, mas é verdade: muitos anos atrás a terra era um jardim maravilhoso.É que os anjos, ajudados pelos elefantes, regavam tudo, com regadores cheios de água que eles tiravam das nuvens. Esta era a sua primeira tarefa, todo dia.Se esquecessem, todas as plantas morreriam, secas, estorricadas... Para que isso não acontecesse, Deus chamou o galo e lhe disse:- Galo, logo que o sol aparecer, bem cedinho, trate de cantar bem alto para que os anjos e os elefantes acordem...E é por isto que, ainda hoje, os galos cantam de manhã...Flores havia aos milhares. Todas eram lindas. Mas, infelizmente, todas elas eram igualmente vaidosas e cada uma pensava ser a mais bela.E, exibindo as suas pétalas, umas para as outras, elas se perguntavam, sem parar:- Não sou a mais linda de todas?Até pareciam a madrasta da Branca de Neve.Por causa da vaidade, nenhuma delas ouvia o que as outras diziam e nem percebiam que todas eram igualmente belas.Por isso, todas ficavam sem resposta.E eram, assim, belas e infelizes.No meio de tanta beleza infeliz, entretanto, certo dia uma coisa inesperada aconteceu.Uma florinha, que estava crescendo dentro de um botão, e que deveria ser igualmente bela e infeliz, cortou uma de suas pétalas num espinho, ao nascer.A florinha nem ligou e vivia muito feliz com sua pétala partida. Ela não doía. Era uma pétala macia. Era amiga.Até que ela começou a notar que as outras flores a olhavam com olhos espantados. E percebeu, então, que era diferente.- Por que é que as outras flores me olham assim, papai, com tanto espanto, olhos tão fixos na minha pétala...?- Por que será? Que é que você acha?, perguntou o pai.Na verdade, ele bem sabia de tudo. Mas ele não queria dizer. Queria que a florinha tivesse coragem para olhar para as vaidosas e amar a sua pétala.- Acho que é porque eu sou meio esquisita..., a florinha respondeu.E ela foi ficando triste, triste... Não por causa da sua pétala rachada, mas por causa dos olhos das outras flores.- Já estou cansada de explicar. Eu nasci assim... Mas elas perguntam, perguntam, perguntam...Até que ela chorou.Coisa que nunca tinha acontecido com as flores belas e infelizes.A terra levou um susto quando sentiu o pingo de uma lágrima quente, porque as outras flores não choravam. E ela chamou a árvore e lhe contou baixinho:- A florinha está chorando. E a terra chorou também. A árvore chamou os pássaros e lhes contou o que estava acontecendo. E, enquanto falava, foi murchando, esticando seus galhos num longo lamento, e continua a chorar até hoje, à beira dos rios e dos lagos, aquela árvore triste que tem o nome de chorão. E das pontas dos seus galhos correram as lágrimas que se transformaram num fiozinho de água...Os pássaros voaram até as nuvens.- Nuvens, a florinha está chorando. E choraram lágrimas que se transformaram em pingos de chuva... As nuvens choraram também, juntando-se aos pássaros numa chuva enorme, choro do céu.As lágrimas das nuvens molharam as camisolas dos anjinhos que brincavam no céu macio.E quiseram saber o que estava acontecendo. E quando souberam que a florinha estava chorando, choraram também... E Deus, que era uma flor, começou a chorar também.E a sua dor foi tão grande que, devagarinho, como se fosse espinho, ela foi cortando uma de suas pétalas. E Deus ficou tal e qual a florinha.E aquele choro todo, da terra, das árvores, dos pássaros, dos anjos, de Deus, virou chuva, como nunca havia caído.O sol, sempre amigo e brincalhão, não agüentou ver tanta tristeza. Chorou também. E a sua boca triste virou o arco-íris...E as chuvas viraram rios e os rios viraram mares. Nos rios nasceram peixes pequenos.Nos mares apareceram os peixes grandes.A florinha abriu os olhos e se espantou com todo aquele reboliço. Nunca pensou que fosse tão querida. E a sua tristeza foi virando, lá dentro, uma espécie de cócega no coração, e sua boca se entortou para cima, num riso gostoso...E foi então que aconteceu o milagre.As flores belas e infelizes não tinham perfume, porque nunca riam.Quando a florinha sorriu, pela primeira vez, o perfume bom da flor apareceu.O perfume é o sorriso da flor. E o perfume foi chamando bichos e mais bichos...Vieram as abelhas... Vieram os beija-flores... Vieram as borboletas... Vieram as crianças.Um a um, beijaram a única flor perfumada, a flor que sabia sorrir.E sentiram, pela primeira vez, que a florinha, lá dentro do seu sorriso, era doce, virava mel...Esta é a estória do nascimento da alegria. De como a tristeza saiu do choro, do choro surgiu o riso e o riso virou perfume.A florinha não se esqueceu de sua pétala partida.Só que, deste dia em diante, ela não mais sofria ao olhar para ela, mas a agradava, como boa amiga. Quanto aos regadores dos anjos, nunca mais foram usados.De vez em quando, olhando para as nuvens, a gente vê um deles, guardado lá dentro, já velho e coberto de teias de aranha...Enquanto a florinha de pétala partida estiver neste mundo, a chuva continuará a cair e o brinquedo de roda em volta do seu sorriso e do seu perfume não terá fim..

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